Miguel Ângelo Volpato
Conheça as expressões literárias que cristalizaram a história de nossa instituição.
A história da publicação de revistas pode possuir duas origens, a depender da interpretação do interlocutor. Segundo a Unesco, um livro é uma publicação não-periódica, que deve conter ao menos 49 páginas. Sob tal premissa, a história das revistas começa na Europa, no século XVII. Aquele, entretanto, que observa os fenômenos tais como são além de suas conceituações básicas, rapidamente observa que um livro verdadeiramente se define como um veículo de suporte de informações. Trata-se de uma das mais revolucionárias invenções do homem. Nesse contexto, a revista também é um livro, representando uma consequência de um processo de mais de 5 mil anos de produção literária.
Antes sequer do homem pensar na existência do papel, a escrita já florescia nas tabuinhas da Mesopotâmia e nos papiros egípcios e gregos. Com o domínio macedônico e posteriormente romano, o grego e o latim unificaram grande parte da produção literária e permitiram maior fluxo das ideias. Os grandes centros culturais alexandrinos representaram centros científicos por séculos, antes mesmo da chegada do papel à Europa. A grande importância da produção escrita é que ela vence o tempo e eterniza as ideias (pelo menos na eternidade da existência de seu material). Por causa dela, os mesopotâmios e egípcios conseguiram organizar suas administrações e colheitas. Por causa dela, os gregos eternizaram as ideias de Aristótoles e Platão no imaginário ocidental. Por causa dela, foi guardada a palavra sagrada nos escritos judaicos e, posteriormente, cristãos. A história da produção letrada é a história da humanidade.
Com a prensa, inovação incalculável de Gutenberg, a escrita, na idade média salva e preservada pelos mosteiros, onde os monges transcreviam manuscritos de obras clássicas por horas a fio, difundiu-se pelas nações e povos. A produção se massificou e, pela primeira vez, a literatura se tornou mercadoria. Dali em diante a produção de revistas estava fadada a ocorrer, e de fato ocorreu. As primeiras revistas floresceram na França e na Alemanha, levando consigo mensagens diversas para a população. A informação nunca esteve tão acessível para as massas como naquele momento.
É com essa (talvez muito longa) digressão que iniciamos este artigo, apresentando como esse longo legado literário se cristalizou dentro da Ordem DeMolay. Em 1919, quando da fundação de nossa instituição, não existiam eletrônicos de informação em massa, assim, o jeito de divulgar informações era pelas revistas. Para se ter noção da importância dos periódicos naquela época, basta perceber que logo no primeiro ano de existência da Ordem DeMolay foi criado o jornal/panfleto The DeMolay, que era passado entre os membros do Capítulo-Mãe (e provavelmente também entre seus relacionados).
A mencionada publicação se tornou “legítima” apenas em 1922, quando foi regularizada no The DeMolay Councilor. A primeira edição apresentou em sua capa Louis Gordon Lower, o primeiro DeMolay, praticamente uma celebridade dentro da instituição naquela época, e continha 32 páginas compostas por histórias sobre capítulos, congressos e recordações. A assinatura anual era de US$ 0,40 (quarenta centavos de dólar), o equivalente a aproximadamente R$ 36,00 nos dias atuais.
A revista continuou seu caminho mais ou menos harmonicamente. Todavia, em um período turbulento como foi o século XX, as frequentes crises levaram a quedas na produção e importação de papel, sobretudo entre os anos de 1929 e 1932, e 1939 e 1949, prejudicando as publicações periódicas, retomadas a todo o vapor a partir da década de 1950. O nome consagrado, The International DeMolay Cordon, foi adotado em 1932, e prevalece até a atualidade.
Mas então... o que era essa tal revista? Para a felicidade do DeMolay curioso, o DeMolay Internacional disponibilizou, indiretamente, em um documento de celebração dos cem anos da Ordem, uma antiga edição digitalizada de uma das mais importantes edições de todos os tempos: a edição dedicada à morte de Frank Sherman Land.
Frank Sherman Land faleceu um mês antes, na data de 8 de novembro de 1959, vítima de um edema pulmonar, aos 69 anos. A edição, de dezembro de 1959, relata que telegramas foram enviados a todos os DeMolays ativos da época, bem como aos deputados do então Supremo Conselho Internacional, e em seguida, os meios de notícias informaram ao mundo o acontecimento. A edição também detalha o funeral do fundador, que contou com mais de mil pessoas, incluindo lideranças civis e maçônicas. Algumas personalidade iminentes estiveram presentes no funeral de Dad Land, como o ex-presidente dos Estados Unidos da América Harry Truman, também um maçom reconhecido.
Em seu monólogo, o reverendo Hebert Ewing Duncan (sim, o mesmo que escreveu o livro Hi, Dad) declarou Land como um amigo do mundo: uma pessoa que viveu trabalhando para transformar a vida de outras pessoas. Sem Frank, aqueles que conviveram e tiveram suas vidas impactadas por ele ficariam com um grande sentimento de perda e tristeza. Porém, segundo Duncan, todos manteriam viva a memória de um homem, que apesar de tímido, obteve o respeito de vários líderes em vários segmentos da sociedade, pois usou o seu amor e a sua vontade de trabalhar para mudar a vida de milhares de jovens.
Na edição de despedida para Land, a publicação tratou também da sua sucessão. O nome de Charles Boyce foi anunciado como Secretário-Geral interino, ao menos até a próxima Sessão Anual do Supremo Conselho ou a eleição de um novo sucessor. Boyce atuava diretamente com Land, servindo como Assistente do Secretário-Geral, e começou a atuar entre as lideranças da Ordem DeMolay em 1922, sendo mais um exemplo de maçom admirado pela Ordem em virtude de seus trabalhos.
Em seguida, a edição anunciou os capítulos vencedores do Campeonato Anual DeMolay de Publicações, o qual servia para estimular a escrita e o jornalismo por parte dos membros da instituição. Na qualidade de jornal impresso, o Capítulo Great Falls, do estado de Montana, levou o prêmio, com a publicação The Chapter Chatter, enquanto na categoria de jornal mimeografado, quem se destacou foi o Capítulo Duluth, do estado de Minnesota, com a publicação do DeMolay Ditto of Duluth. Apesar do torneio ter sido ofuscado pela grande notícia predisposta nas páginas anteriores, é interessante analisá-lo, do ponto de vista daquele que quer entender como era a estrutura da Ordem DeMolay e os tipos de notícias que eram apresentadas no Cordon.
Ademais, a publicação apresentou o design do cartão de membro vitalício emitido pelo Supremo Conselho à época. Diferentemente dos dias atuais, o membro, ao receber o cartão, deveria assinar seu nome à caneta na parte de trás, bem como colocar sua impressão digital, com tinta, para que o cartão tivesse sua validade. Ainda, a redação retoma o Manual DeMolay, publicado em maio de 1959 e que servia como um verdadeiro guia completo à instituição, contando informações sobre a sua história e seu funcionamento. O projeto foi aclamado por sua qualidade por diversas lideranças da Ordem.
A edição finaliza com uma mensagem do Grande Mestre Earl Dusenberry, o qual afirmou que as solenidades fúnebres destinadas a Dad Land foram as mais tristes realizações durante seu mandato. Também incentivou o planejamento e execução da Semana DeMolay, em março de cada ano, a fim de que possam demonstrar à sociedade o que é a Ordem, seus benefícios e seus trabalhos, dessa forma, ajudando a angariar novos membros.
Infere-se, portanto, que o Cordon daquela época possuía uma linguagem mais intimista, narrando fatos do cotidiano, como resultados de concursos, anúncios de materiais para leitura, fornecendo também um espaço de sua redação para as mensagens das lideranças da Ordem ao grande público. No mais, eram comuns publicações acerca dos “conclaves”, pequenos congressos estaduais, os quais serviam de ponto de encontro para os capítulos desenvolverem atividades e prêmios, como atualmente. Uma curiosidade dos conclaves era a presença de bailes, traço tradicional da cultura americana, com direito a eleição de rei e rainha do baile.
Hoje, para a surpresa de muitos, o Cordon ainda existe! Quer dizer, mais ou menos. Isso porque ele foi publicado regularmente até o ano de 1981. Retornou em 1984, mas logo foi descontinuado. Desde então, tornou-se esporádico, retornando às vezes, a cada 5 ou 10 anos. Desde o início do milênio, a revista foi basicamente substituída pelo site demolay.org, e costuma ser publicada somente em datas comemorativas. Isso não quer dizer que não se possa ter acesso à cópia contemporânea. Na verdade, a última edição, de 2019, está publicada na web e é de livre acesso.
Dentre os temas abordados, destacam-se apresentações sobre os trabalhos da Ordem DeMolay e seus planos para o futuro, artigos com membros antigos relacionados a acontecimentos memoráveis, registros da instituição ao redor do mundo, e ainda duas seções bem interessantes, as quais versam sobre a história do Congresso Internacional da Ordem DeMolay e trazem relatos históricos de membros seniores notáveis.
Em primeira análise, é possível constatar que as publicações contemporâneas são mais institucionais. O Cordon antigo era mais intimista e soava quase que como uma conversa com a “comunidade DeMolay”. Isso é evidenciado pelos anúncios de concursos, bailes e conclaves que eram comuns nas versões mais antigas, mas que muito pouco aparecem nas versões mais recentes.
Isso, possivelmente, é devido ao fato de que a instituição tomou uma proporção muito grande, o que impossibilita a criação de uma experiência comunitária. Em suma, era mais fácil manter isso quando existiam 12 capítulos em um estado do que hoje, quando falamos de uma organização intercontinental.
Considero uma verdadeira pena que o material esteja hoje descontinuado. Não é nem uma questão institucional. Acho que buscar o aprimoramento da escrita é um dos mais preciosos empreendimentos disponíveis para o homem. Pela escrita não só compartilhamos nossas ideias, como também executamos um exercício de autoconhecimento ao formalizar nossa consciência, que muitas vezes tende a ser dispersa, em frases escritas em um papel. Não é a toa que vários métodos psicoterapêuticos empreendem a escrita. Fica essa sugestão para os irmãos: Escrevam, pois a vida é como uma lousa em que o destino precisa apagar e esquecer o caso escrito para criar um novo. Quem não registra, perde.
Para quem possa interessar, listo aqui os links que redirecionam para as edições consultadas:
Edição da morte de Frank Sherman Land, de 1959: https://drive.google.com/file/d/1JHMm6AevZLWALCXiH2KSibYddvWw6MB1/view?usp=sharing-
Edição mais recente, de 2019: https://fliphtml5.com/xxem/dzdg/basic